sábado, 18 de março de 2023

Memorial (por André Mota Prates)




 "(...) Acabaram com o beco; mas ninguém lá vai morar; cheio de lembranças vem o povo; do fundo escuro beco; nessa clara praça se dissolver. (...) Profissão decerta, deserta; homens e mulheres na noite; homens e mulheres na noite; desse meu país; na porta do beco estamos; procissão deserta, deserta, nas portas da arquidiocese desse meu país. Diamantina é o Beco do Mota, Minas é o Beco do Mota, Brasil é o Beco do Mota; Viva o meu país.

Beco do Mota; Milton Nascimento, Fernando Brant.

Cheio de lembranças, é assim que fiquei. Povoado por memórias atraídas e aguçadas por uma tarefa de faculdade, pela necessidade de compor, como estudante de história, o meu primeiro memorial. Sendo assim, desde a terça-feira à noite dia da aula que me deixou tal incumbência acompanho com maior atenção o vai e vem das imagens que perambulam por aqui, nos porões da minha mente; lembranças... Diamantina é o Beco do Mota, Minas é o beco do Mota, a voz do Bituca, o calor do fogão à lenha e o fulgor nos olhos de meu avô. Ele tinha esse hábito, o vô. Gostava de me colocar para escutar MPB e, enquanto tomava uma pinga, observava-me. Em alguns momentos, levantava as sobrancelhas: “atenção Dé, escuta bem essa frase” falava, bastante calmo. Com o fim da música, conduzia-me pela interpretação da letra; com enorme paciência coisa de avô babão, encantado com os netos que tem procurava me contar as circunstâncias por detrás da canção, tinha uma enorme satisfação em alimentar o meu repertório musical e apontar-me a poesia de Minas, de Milton, Brant, de Beto, de Paulinho, de Lô e tantos outros. Era também durante essas conversas que narrava alguns dos episódios de sua própria vida e dos acontecimentos de nossa família; os Mota.

Como ele gostava desse sobrenome; enchia a boca para dize-lo: “Sou Mota. Somos Mota, somos de Minas”. Imagine a minha surpresa ao ouvir o Milton cantar o nosso nome. Naquelas noites com o vô eu ia aprendendo sobre a história da família e das nossas raízes mineiras, regionalistas. Começava a entender que, de certa maneira, a história de minha casa não começava com meus pais e comigo; outros haviam vivido e morrido antes de mim. Vieram de longe, construíram vida no interior das Minas, enriqueceram e também quebraram, fizeram nome na cidade de Minas Novas. Foi também em uma dessas noites que me mostrou, bem como explicou o retrato na parede de seu quarto. Imagem em preto e branco, moldura oval, nela os meus bisavôs olham meio de lado para o horizonte, como se a visão estivesse perdida no tempo; rostos muitos sérios, sóbrios. Por coisas assim, as noites com o vô eram fascinantes. Agora, elas são memórias, porque o velho de cabeça branca não está mais aqui: “Um dia eu vou faltar, meu filho. Vou embora. E então a vida vai te colocar no meu lugar, e você, um dia, também terá os seus netos. Se hoje sou seu espelho, amanhã será o seu dia de dar o exemplo, e você ensinará para eles as músicas que aprendeu junto comigo”, dizia. Mas nesses momentos, em que as conversas enveredavam por temas assim, algo mais filosófico, como a sua própria condição de finitude, não era o Milton quem cantava, o som que embalava o papo dessas noites ficava a cargo de João Nogueira:

“(...)Num dia de tristeza me faltou o velho; e falta lhe confesso que ainda hoje faz; E me abracei na bola e pensei ser um dia; um craque da pelota ao me tornar rapaz; um dia chutei mal e machuquei o dedo; e sem ter mais o velho para tirar o medo; foi mas uma vontade que ficou para trás. Eh, vida atoa; vai no tempo, vai (...) E o meu medo maior é o espelho se quebrar.

Espelho; João Nogueira.

Assim comecei a descobrir a história, ela se fez presente, antes mesmo de eu aprender a ler, através das narrativas de meu avô acerca de nossa família, do nosso sobrenome. Nas noites despretensiosas em que ele passava horas colocando discos no rádio, empenhado em fazer o neto compreender aquilo que a letra procurava dizer. Meu avô Mota foi, portanto, uma fonte, foi quem me ajudou a perceber a duração, o correr interminável dos dias, da vida atoa que vai no tempo. Por outro lado, talvez a casa de nossos avós ainda guarde um outro efeito. Para dizer de outro modo, quando o velho contava dos parentes antigos, bem como dizia da própria finitude, abria espaço para que eu concebesse o passar do tempo, a sucessão das gerações. Contudo, aquele retrato oval, o qual já mencionei, única recordação restante dos pais de meu avô funcionava também como um fragmento tangível do passado. Não sei se me fiz compreender, mas a ideia é a seguinte: a casa de nossos avós não guarda vestígios do passado? Sua decoração, sua disposição, seus adornos; quer dizer, as paredes repletas de fotos muitas vezes antiquíssimas , as impressões espalhadas pelos móveis, que dão conta de formaturas, de batizados e de aniversários muitas vezes dos filhos, mas com maior frequência dos netos , não seriam também fontes? Sobre tal perspectiva, um bom observador poderia encontrar um registro considerável da história de uma família ao caminhar pela sala de uma avó. Estou certo de que, se detalhista, conseguiria compor um bom panorama a partir dos vestígios espalhados pelos cômodos. Pois bem, mais o que isso tem que ver com a minha descoberta da história?

No ano de 2019 resolvi manter uma espécie de diário, um caderninho de anotações, melhor dizendo. Nada original, devo comentar, mas é que eu começara a sentir uma verve intelectual a animar meu espírito. Sendo assim, como muitos dos pensadores que me serviam de exemplo mantinham esse hábito, decidi seguir o modelo. Com o passar do tempo, tomei gosto, e por meio dessa prática descobri o prazer de acessar “Andrés” do passado, de resgatar trechos de elocubrações em datas específicas. Ora, o rapaz que escreveu em 2019 não é o mesmo que rabiscou em 2020, também já é outro, agora em 2023. Ademais, para além de facilitar os caminhos da minha memória, os tais caderninhos funcionam como uma auto pesquisa. Por eles consigo espiar algo acerca do fluxo do meu pensamento, e das transformações que ocorrem na maneira como eu enxergo e como eu penso o mundo. Tendo isso considerado, firmo que componho o meu memorial desde 2019, por conta dele sou, desde já, um pouco pesquisador ainda que o meu objeto de pesquisa seja eu mesmo , um pouco intelectual e, por que não dizer, um pouco historiador; ainda que diletante.

"Se por historiador se designa uma profissão, só me tornei historiador tardiamente e por fases. O mesmo não acontece se o termo qualificar uma orientação da curiosidade intelectual; parece-me que sempre o fui.

René Remond

Bem, ainda não sou historiador, mas me considero já iniciado no ofício, um aprendiz, tateando na arte de recompor o passado. Porém, assim como para Remond, se o termo qualificar uma orientação da curiosidade intelectual; parece-me que sempre o fui, desde quando ouvia extasiado as narrações do vô; desde quando examinava arrebatado o retrato oval dos seus pais, em preto e branco, e por meio dele imaginava o passado. Como foi que descobri a história em minha vida? Resposta: acaso. Ele e sua intrincada reunião de circunstâncias e coincidências. Vicissitudes sobre as quais no meu ponto de vista tenho pouquíssima autonomia. Quer dizer, uma coisa é meu avô narrar a história de nossa família, colocar músicas, mostrar retratos. Outra, é eu me interessar por tudo isso. Por que o meu interesse? Não sei, talvez uma suposta orientação da curiosidade intelectual, para além do meu controle; talvez uma definição inata, feita pelo Cronida que as nuvens cumula e os raios trovoa no momento em que colocava ordem no caos. Vai ver, em sua arrumação cósmica, colocou o André ao lado da história e determinou o seu caminho para dentro de uma sala da aula. Como saber?

Aproveito a menção ao acaso para retomar a ideia da casa dos avós como receptáculos do passado. Um dia, passeando pela sala agora da avó , reparei em uma foto minha. Devia contar com no máximo seis anos. Eu sorria e orgulhoso estufava o peito, trajava uma armadura de plástico; mas para mim, do mais valioso e poderoso metal . Na mão esquerda sou canhoto , a espada empunhada, pronta para a peleja. Nada como uma fotografia e uma tarefa de faculdade para lubrificar os mecanismos da memória. Agora lembro bem, eu chamava aquilo de “fantasia de Hércules”, mas não sei sua origem. Presente de aniversário ou de natal? de quem? Não sei, isso a memória não permitiu guardar, o importante é que eu a adorava. A fotografia ainda instigou outras memórias: eu tinha uma coleção de espadas e brincar com elas estava entre minhas predileções. Por conta disso, durante a infância fui Hércules, fui Artur, por tantas vezes fui César a comandar a Legião e a defender Roma dos “invasores” Bárbaros. Novamente a disposição intelectual, o acaso fora do meu controle.

Por outro lado, se as narrações do vô e as brincadeiras de criança desvendam as origens da minha inclinação para a história, o mesmo não pode ser dito dos livros didáticos. Meu péssimo percurso escolar impede que eu tenha qualquer lembrança boa para com esse tipo de impressão. Quando vasculho aqui os porões, a imagem que me vem com maior grau de nitidez é a cara de raiva de minha mãe, que com um esforço hercúleo fazia o que podia para me manter sentado, copiando os trechos do livro que davam conta do dever de casa indicado pelo professor. De certo, foi já muito depois do período escolar que passei a valorizar os livros e, mesmo assim, os romances tiveram um papel bastante maior que os didáticos para a minha descoberta da história.

“Pois a história tece com teias de aranha a rede indefectível do destino; em seu mecanismo maravilhosamente construído, uma simples e pequena roda motriz põem em movimento forças terríveis.”

Retrato de uma mulher comum; Stefan Zweig.

Pois a história tece com teias de aranha a rede indefectível do destino (...); pois bem, ainda quando criança não sei ao certo se antes ou depois de ganhar a tal fantasia de Hércules , assisti a um documentário sobre Roma, e conduzido pela voz do narrador bastante característica para documentários de história ouvi pela primeira vez a fascinante narrativa dos imperadores, dos césares romanos. Pouco depois, um tio contou-me sobre Ícaro, o jovem rapaz que pecou pela desmedida, e tendo isso feito, pagou com a morte ao voar perto demais do sol. Notou? Mais uma vez os sussurros do acaso, acontecimentos triviais, fora do meu controle: primeiro Grécia e Roma, depois mitologia grega, mais tarde os filmes Gladiador e Tróia; um avô dedicado que faz o neto interpretar canções e ouvir as tradições da família, um tio que narra a desventura do filho de Dédalo, uma televisão ligada que prende a atenção de um menino ao representar as conquistas de Roma. Já adulto, fora da escola, os romances históricos, um clássico aqui e outro ali, bons professores pelos cursinhos da vida , uma pretensa verve intelectual e, por fim, a descoberta pelo gosto de tentar remontar o passado. Juntando tudo isso, creio ter delimitado um pouco do caldo responsável por fazer com que eu criasse gosto pela história; resumidamente, foi por esses caminhos que eu descobri e vocação da minha vida.

Penso que o caminho seja mesmo por ai. Quem sabe o vô tenha razão, talvez ele, ao me contar do passado, tenha também entrevisto o futuro, “um dia a vida vai te colocar no meu lugar”, e então será a minha vez de apresentar a história aos meus filhos e aos meus netos, em noites despretensiosas e com um copinho de cachaça mineira para amenizar o frio; eh, vida atoa. Vai no tempo, vai. Mas que saudade, mas eu sei que lá no céu o velho tem vaidade e orgulho de seu filho ser igual seu pai (...). E o meu medo maior é o espelho se quebrar.

sábado, 9 de outubro de 2021

#Novo normal é "meus ovo"

A pandemia, um marco histórico. 

Com efeito, das incertezas e previsões estapafúrdias de ambos os polos, negativo e positivo, direita e esquerda, prós e contras... saíram pérolas que se devidamente notadas deveriam trazer-nos algum aprendizado. Novo normal “meus ovo...”, diga-se de passagem. Nada além de um festival de idiossincrasias tão falsas como qualquer outra sessão do Congresso, esse povo obtuso vociferando apego à ciência, ao método científico como imperativo categórico, o último crivo entre o certo e o errado sem nunca ter dado o menor pedal para a Lógica - ingrediente absolutamente aversivo ao ofício dos (in)dignatários dos palanques. Um insulto a Ibn Al- Haytham (Alhazém), um disparate e desrespeito a Descartes. Subitamente políticos transmutam-se em médicos, youtubers viram epidemiologistas, blogueiros uma mistura de John Snow com Madre Teresa de Calcutá. Dantesco. No Instagram todo mundo vira top model de máscara e desfia seu altruísmo genuíno lastreado por certezas inarredáveis... a dos seus avatares. A ânsia por protagonismo e exposição destravada há tempos pelas redes sociais e Internet saciada agora por toda sorte de sublimação. Nas redes todo mundo é foda!!! Em frente às câmeras, tudo bonito, puro, imaculado. 

(...)

Só que não... Felipe pregando isolamento hiperbóreo enquanto arruma a mochila pra bater bola com os amigos. Renan e Omar como vestais da inquisição humanística contra o genocídio e estultícia do verdugo do planalto (Eclesiastes 2:12 - Então passei a contemplar a sabedoria, e a loucura e a estultícia. Pois que fará o homem que seguir ao rei? O mesmo que outros já fizeram) ... e ainda falando mal da corrupção... do governo? Surreal. Se não tivesse assistido a cena eu mesmo na TV não acreditaria. Novo normal??? Pára que eu quero descer. 

Confúcio ensinou há mais de 2500 anos o que o povo das redes aprendeu sem nunca ter lido filosofia chinesa. Imagem é mesmo tudo. Diante da pequenez e insignificância humanas, os guevaras de plantão descobriram que poderiam mudar o mundo com posts, lacrações e a velha e boa hipocrisia, a grega clássica hupokrisis e a de François duc de la Rochefoucauld

(...)

Confesso que sinto saudade da imperfeição. Um rosto não tão lindo num corpo estonteante. Um rosto tão lindo, olhos azuis e uma bundinha miúda. Gafes e reações desconfortáveis quando não se sabia do que os outros estavam falando. Racismo, sexismo conceitos ocos ainda não operacionalizados pelos grupos identitários. Conversas casuais e imperfeitas ainda sem tanto vitimismo, tanta patrulha. Ainda não havia um manual de instrução para o papo furado. Agora pasteurizaram essa merda. 

“Não sei” agora, ao invés de sinal de humildade e ignorância sobre um assunto, expressão gatilho para a segregação pela “turma do bem”. Não engajamento militante agora uma espécie de lepra social em direção ao cancelamento pela patrulha do “mundo melhor”. Todos idiotas de uma linha de montagem que reduz as relações humanas a ”...estar comigo” ou “...estar contra mim”. Rotores da linha de produção desse fordismo ideológico que nada mais é que a redução das correntes a duas, gerenciáveis, previsíveis, manipuláveis. Fábrica de puppets obviamente hipnotizados pela síndrome de dunning-krugger, cheios de si, sobrando em suas verdades irrefutáveis, atores desse espetáculo piegas e grotesco. E imaginar que muito provavelmente cá estamos só por conta de uma criação imperfeita, de um Deus assimétrico (Marcelo Gleiser). Houve a maçã... 

(...)

Bored to death. Cansado de sanhas identitárias, desse culto cego a uma democracia patológica capitaneada por essa oligarquia que insufla os incautos na luta por mudanças que invariavelmente foram feitas, ao contrário, para deixar tudo do jeito que está. 

Lembro então da juventude em Minas Novas, Lalau de Zé Camargos a parafrasear Bandeira: 
- Vou-me embora pra Chapada (do Norte)... lá sou amigo de Tôto...

Ahhh os hiperbóreos, povo lendário que para os antigos gregos, habitava uma região perpetuamente ensolarada na extremidade setentrional da Terra, além do vento norte. 

Mas vai que é a Chapada? O nome grego eu já tenho. 
Ai tô bem… 23 KM de Minas Novas, dá pra ir de bikeConsiderando que Atlântida tem de ser longe, além de salgada e molhada, e para mim água de preferência doce e cozida (crua costuma ser muito fria), bora pro norte...

Ahhh “meus ovo” ... 
E só pra deixar claro, “novo normal é o c...”.

quarta-feira, 8 de julho de 2020

Vortex


Ando falando do passado com muita frequência. Nas conversas enviesadas na cozinha enquanto Margô prepara algo, na sala em frente à TV atrapalhando a programação, na sala de estar com a prosa já contaminada pela música, saudade, cervejas... invariavelmente, minha parceira vê-se encurralada pelos cacos - agora recorrentes - de minhas lembranças. Memórias do Bairro Betânia, do Recanto Motinha, das férias no Vale, da BH da minha infância e juventude, tudo vindo à baila “junto e misturado” como flashes do big bang empilhando takes em minha retina. Coitada da Margô... Outro dia, relembrando as epopéias do bairro (tudo parece gigante, grandioso quando se tem 13 ou 14 anos) contei todos os amigos, restaurando todos em suas casas como num filme de família gravado em super 8 onde ainda se notam os cortes nos frames a cada tranco do projetor ameaçando engripar. Foram anos que ficaram congelados em meu hipocampo, e ainda que a velocidade do projetor mental siga errante, mais rápida ou por vezes lenta, as imagens dançam agora ao som do YES, Jimmy, Doors, Stevie Ray, Janis, Aldir, o Clube, Bosco, Guinga, Egberto, Rush, Beatles, Wakeman, Rosa, Toninho, ELP... por entre cervejas, um charuto... dois. 

(...)

Comecei a fumar depois dos 50... 
E perco-me de novo em lucubrações com o olhar no vazio.
Puxo então Page and Plant e ouço Unledded... pra logo depois pesquisar no Youtube as ‘Alucinações de Sergei’ em seu single de 1966, ano em que nasci. 
Sergei morreu ano passado. Nunca foi nem mesmo ínfima referência musical, diga-se de passagem, mas fez parte do Rock’n’roll nacional cuja história omite hoje curiosidades como a que o nome dos Mutantes foi sugerido pelo Ronnie Von. 
Mas antes dele já haviam ido Jimmy, Jim, Janis, Bonham, John, SRV, George, Keith, Greg Lake, Chris Squire. Depois Neil Peart, Aldir, tantos... esses sim eternizados pela obra.
Percebo então que já nasci com um algoritmo de busca a la Google na cabeça muito antes de Larry Page e Sergei Brin inventarem o buscador mais famoso da Internet (chupaaaaaa AI). 

(...)

Me ocorre depois que para alguns o rock começou com o Whitesnake. Azar do Bill Haley, Chuck Berry e tutti quanti que talvez só tenham existido mesmo pra quem tem mais de 70. É uma tese. 

Não questiono a curvatura da terra nem se o homem pisou na lua mas dessa ai não comungo, é fake... sorry.
Eu sei, cada geração tempera suas verdades com o que viu e ouviu mas isso não significa contestar o passado sem antes pesquisá-lo. 
Nossa história escrita tem pelo menos 5020 anos. Seria como julgá-los usando menos de 2% dos dados, menos de 100 anos, por uma expectativa de vida otimista. 

Quanto a mim, teimoso e atávico que sou, valorizo mais a brilhantina dos anos 50, a psicodelia dos 60, o vortex do rock e o glam de Ziggy Stardust nos 70 ao glitter metal e baladareiro dos 80 MTV. Questão de opinião. Nos 80 já estava mais a mirar o passado, como se tivesse perdido o trem e nascido na geração errada, atrasado, bored.

(...)

A morte de ídolos potencializa a nostalgia e balbucio uma frase do Aldir por entre os dentes antes de outro gole na cerveja : “meu caderno de telefones é um cemitério”. 
Retomo o curso da memória desviada por devaneios e revejo de novo todos os patrícios daquele universo que englobava meras duas ruas do Betânia: a Dois e Quatro... 
De estalo lembro-me também do Cícero, um gênio matemático que conheci no finado Colégio Anchieta. Acho-o na net, escrevo-lhe um vexatório - porque emotivo - bilhete via e-mail. Amo todos agora...
Engraçacado. Ponho In My Life dos Beatles e a letra me iguala a John e Paul por pelo menos dois minutos. 
Não tenho mais medo dos brigões do Conjunto B, do bullying que sofria quando estava vestido de escoteiro com a bermuda azul marinho e o Kichute amarrado na canela, das pendengas geradas pela rivalidade no ‘bente altas’, tudo volta com um tom de saudade... “some forever not for better”.

(...)

Minha misantropia mineira - ou mineirice misantrópica - e a pandemia agravaram o quadro para além da famosa crise da meia idade. Aliás, o Dr Elliot Jaques foi quem cunhou esse termo em 1965, mas só aceitei a teoria depois de sentir na pele a tal crise por volta de 2013.  Quando reneguei o juizo leviano que fiz da teoria (achava frescura),  adicionei mais um ao rosario de erros de julgamento que cometi na vida. Importante que agora até acredito no Dr Elliot.

É... Envelhecer é mesmo perigoso. Ponho Erasmo na JBL e seu “É preciso dar um jeito meu amigo”, a despeito do que acha o fake. É rock, concluo aliviado. Já a cobra branca... arrrrghhhhh!


terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

"O Brasil não é para principiantes"



Começo homenageando Jobim, no título. Não o ginandromorfo tupiniquim PT/PSDB - necessariamente não nessa ordem -, mas o músico, agora também nome de aeroporto. A propósito, penso que não teria gostado tanto da homenagem, a do aeroporto.  ai o 'Samba do Avião' que não me deixa mentir... Lá, para sempre, o pouso será no Galeão. Ademais, ginandromorfo ou não, o galináceo da granja do Dr Schaef foi mesmo é parar na panela e no bucho do dono (necessariamente nessa ordem). E ainda que perguntas rondassem sua cabeça diante da estranheza ao depená-lo, o Dr H. E. Schaef assou-o e fartou-se primeiro para só depois ceder o esqueleto para a anatomista amiga Madge Thurlow Macklin que veio a publicar suas análises na revista científica Journal of Experimental Zoology em 1923. 
Lógico, cartesiano, científico, até eu entendo. 
Já nosso Nelson teve sorte diferente, claro: logrou ser ministro fiel de dois governos antagônicos... pelo menos no picadeiro ou palco da nossa democracia patológica isso é normal.
O Brasil não é mesmo para amadores.

O mundo está mesmo de ponta-cabeça. E eu, amador e neófito nas sapiências das causas e da política que sou - e serei "forevis" -, cada vez entendo menos. 
Distanciei-me - como sonhara há anos - e embora veja o espetáculo agora de longe, ainda que comparando-o com minha realidade atual, "não consigo entender sua lógica". Desolador. Não entendo a luta contra o "fascismo" (aquele do zé. Alguém empreste ‘O que é Fascismo? E outros ensaios’ do Orwell a ele) encampada por atores engajados da Globo - pelas portas dos fundos, claro -, nem a sanha messiânica da turma da "Delfim Moreira 342" contra as ameaças à democracia, o recrudescimento da censura e cerceamento das liberdades (da Lei Rouanet, talvez). Num tempo em que o Marcelo dá muito mais que 2, Duvivier planta, colhe, aperta e acende na boa, vira colunista da Folha e até argumento de autoridade, a nudez das feministas do Leblon eleva o potencial de constrangimento e vergonha alheia de qualquer feminista raiz (dos anos 50, quando a coisa era feia), queermuseus, Wyllys, Rosários, Feghalis e tutti quanti são obrigados por lei, Petra e sua obra de ficção encomendada concorre a Oscar, eu me pergunto: de que diabos esse povo tá falando? Depois do Face, do Youtube, Instagram, Twitter??? Ali o cabra é livre, leve e solto pra falar a merda que quiser, angariar milhares de seguidores e ainda ficar rico. Sem filtro, talento, currículo, concurso, caráter, coerência, quase nada de pré-requisito. Ainda estamos em 68? 
Talvez Caetano e Chico sim, entendo. Quem viveu não esquece, sente falta da adrenalina, principalmente depois dos setenta. Mas e os outros, que nem nascidos? Esse miniver na mídia e na cultura (???), essa cena repetida da ceia dos porcos na última página da Revolução dos Bichos, esse altruísmo demagógico, falso e binário que agora deu até de buscar explicação científica para desumanizar os contrários, reduzi-los a 'não pessoas' e amortecer qualquer resquício de compaixão ou empatia, que porra é essa? Determinismo genético e QI por coloração ideológica? "Tá de brincadeira?"

É... Não tenho mesmo a menor chance, sou mesmo um amador. Esse país é só para profissionais. Melhor só rir do Cruzeiro na segundona esse ano, já que velho demais pra carnaval ou outro "ópio do povo". Pela Internet ou TV, claro, bem longe da Lavigne, Pedro Cardoso, Tais Araújo, Alvim... "valha-me Deus". Ano que vem vai que melhora?


sexta-feira, 29 de março de 2019

Notas do front

Houston, 27 de março de 2019.

Oi F, tudo bem?
Peguei-me aqui escrevendo a missiva à moda antiga, sinal irrefutável de que sou mesmo um velho, enfim. Transcrevo-a agora. 

Mais que isso, sempre soube que sou melhor escrevendo. Penso melhor escrevendo, “falo” melhor escrevendo, explico-me melhor escrevendo. Projeto-me então no escritor que sempre quis ser... transcendendo assim. Mágica? 

A partir de agora sou Strategos Aristides.

Sugiro que como leitora faça o mesmo. Migre por mim agora de F a Florence Cliff (alakazam... booom). Escale escarpas, derrube normas, arquétipos, falsos moralismos, rompa as amarras que nos prendem a regras, limites impostos por outrem. O papo aqui, embora entre duas pessoas reais - eu e você, tomará assim a forma de uma interlocução entre nossos alter-egos. Essa perspectiva liberta, provoca rearranjos em nossas crenças e convicções, for good, garanto. Florence Cliff não tem medo de nada, luta até esvaziar os pulmões, enfrenta, esperneia, grita, desvencilha-se de socos, desvia de balas, cães, cobras, lagartos, homens maus, ofensas... do diabo. Vem comigo, ande a meu lado...
Se bem fará não sei, mas que mal faria?

Pausa: perdão pelo inglês inserido aqui e ali, virou uma espécie de vício depois de 14 anos escrevendo assim em horário comercial. Nada de pedantismo... não com você. Aos outros não devo nada. Que me considerem pedante, até gosto. Estabelece uma fronteira e deixa-me longe deles e de seus faróis politicamente corretos, toda aquela sanha de bondade, altruísmo, cultura, empáfia sobre-humana doentia e louca. Eu apenas um homem simples, feliz e insignificante.

Mas voltando à vaca fria, deixe-me primeiro contar-lhe um pouco de mim. 
Há mais de 35 anos pensei em ser um cientista, um físico ou um matemático. Anos depois, alvejado por minha incompetência e incurável indisciplina, sonhei ser um rockstar ou um ás do Jazz como fora Wes ou ainda é Toninho Horta. Mas a vida atropela. Casei, tive filhos. As coisas simplesmente aconteceram, baseadas em minhas escolhas e num mar caótico de variáveis que não pude controlar. Ninguém pode. Uns chamam de sorte, outros de azar, outros ainda dizem que é sina, ou carma. 
Eu, metido a racional que sou, só vejo intempéries, a geopolítica e seus efeitos benéficos ou maléficos, ideologia, a loucura, a política, a tecnologia, a economia, uma miríade de fatores que só os utópicos insistem em não relevar (dai que tantas utopias tenham terminado em distopias ao longo da história). 
Aprendi depois que para a criação de um modelo como objeto de apreensão da realidade, algo que permita simulações, estudo e predições, usa-se às vezes a condição ceteris paribus. Deixe-me explicar: reduz-se as variáveis às mais críticas e manipuláveis e mantêm-se as demais constantes ou inalteradas como se nunca mudassem, embora estejam ali, “causando”. Se não dependem diretamente de sua vontade, melhor considerá-las mesmo constantes, sem desprezá-las ou menosprezá-las. É uma forma de não perder tempo nem energia com elas, sendo pragmático e/ou realista. 
Bem, embora imprecisa, considerando-se estritamente o caos absoluto dos fatores intervenientes, muito precisa considerando as condições controladas. Dai a beleza do modelo. Possibilita induções - ainda que limitando o número de variáveis - que permitem vislumbrar o resultado, antever um futuro. Uma máquina do tempo preditiva, diria. É assim que funcionou pra mim, pelo menos. Embora não pudesse controlar todas as variáveis, agarrei-me àquelas que demandavam apenas minha autonomia e considerei as demais constantes, esquadrinhando assim meu futuro - se maleporcamente é outra história. Mas escrevi minha vida à mão, não com a mão alheia, e disso tenho orgulho. Não de forma precisa, nem sem percalços, erros ou mudanças de plano. Mas com parcimônia e paciência, pavimentei minha estrada. E aqui estou à beira de algo que encasquetei há 20 e poucos anos atrás. Não sei - e nem interessa mais - se se efetivará ou não mas levando a vida ceteris paribus, agarrando-me ao que se podia controlar (minha vontade, determinação, força, espírito), cheguei,  seja lá onde isso for (desde que seja onde se quer estar). Se não exatamente o ponto, bem próximo... dá pra ir a pé ;0). 

Fato é que a vida é uma jornada perigosa, e é vital que aproveitemos cada batalha, tristeza, alegria, tudo. Hoje, por exemplo, depois de tudo uma sensação me abarca: subitamente o que quis por vinte e poucos anos está ali, embora ainda não possa tocar. E inevitavelmente olho para trás, desde o dia em que pus tal sandice em minha caixola até as encruzilhadas dos piores momentos, dos desvios do caminho às dores incuráveis, dos becos aparentemente sem saída às dúvidas, dos deleites das alegrias e dos filhos às dificuldades... Concluo enfim que tudo aquilo me trouxe até aqui. 

Como tenho mesmo essa compulsão inevitável pelo caminho - meus pais me deram esse jeito de andar -, sigo...
E o caminho continua infinito, enquanto dure. É meu conforto, como foi o de meu pai... vou até o fim!!!

Agora conte-me sobre você, Florence Cliff. Seus anseios, desejos, quero saber. Preciso saber. 
O tempo é curto e volto ao início, “enfim sou um homem velho”. 


Um beijo florido.
Stragegos Aristides.

sábado, 16 de junho de 2018

Exibicionismo, ostracismo e a lula



Confesso meu voyeurismo light no Face. É minha fraqueza inglória. Mas constato que não posso ser execrado sozinho nessa, já que mais traço herdado do DNA dos sapiens que de uma de minhas idiossincrasias. A saber.
(...)
Yuval Harari, no estupendo Homo Sapiens, pontua que a fofoca foi o amálgama inicial para a cooperação em grupos maiores. Num tempo em que a sobrevivência dependia majoritariamente da ajuda de outros do bando, seja para defesa ou proteção, alimentação e até cuidados quando ferido ou incapacitado, qualquer mecanismo social para fomentar tal intento seria importante. Afinal, quanto maior fosse o grupo, maiores seriam as chances de sobrevivência... e ai veio a santa fofoquinha para nos salvar. 
P.S. ainda bem que os chimpanzés, nossos primos, ainda não se deram conta dessa mamata, senão daqui a pouco isso aqui vira o planeta dos macacos.

(...)

Nos primórdios, tribos formadas por laços de maternidade ou amizade limitavam-se a algumas dúzias de membros. Hierarquia e a liderança de um macho alfa (feministas, não é culpa minha) no mais das vezes garantiam o alinhamento acima das discórdias que por ventura comprometessem a integridade e força do bando. Ou então surgia um novo macho alfa que por capaz de fazer mais coalizões e angariar mais adeptos voltava-se contra o líder e assumia o poder. Nada de novo, nem para o homo sapiens nem para os macacos e políticos, mesmo depois de milhares de anos. Nesse pormenor, continuamos intrinsecamente como nossos ancestrais... e primos. E vejam vocês, a política é bem mais símia que muitos de nós poderia imaginar.

Mas se por um lado só foi possível aumentar o número de membros do bando com o advento da fofoca, a primeira cola social que nos trouxe até aqui, estudos sociológicos apontaram que 150 fofoqueiros seria o ajuntamento máximo de traíras seduzidos pela vontade de meter a língua nos outros pelas costas. Depois desse limiar, o homo (gênero, feministas. Inclui a Dilma também, acho) teve que ser mais sofisticado...
Pausa: eu, como o Suassuna, acho mesmo que não é elegante falar do cabra pela frente. Melhor esperar ele dar as costas e ai meter a ripa. 
Voltando: “Depois desse limiar, o homo (... e a mulher também, senão a Dilma pira) teve que ser mais sofisticado”, inventar outros mecanismos que nos trouxeram até onde estamos hoje, realidades inventadas que nos puseram em cidades, países, reinos sob os auspícios de uma bandeira, Deus, rei, causa, pátria, e o raio que o parta, aos milhares, milhões, bilhões. Impressionante. Viramos os donos do planeta e ou dizimamos ou dominamos quem não engolisse nosso lifestyle. Mas isso é papo pra outro texto (ou leia Harari e descubra você mesmo).

(...)

Mas de volta ao Face frio, navego ali inconscientemente em busca de fofocas - falta do que fazer, preguiça ou incompetência, concordo -, sou um homem simples. É sempre alguém se mostrando numa cachoeira paradisíaca, num país no estrangeiro, num iate, carrão importado, com um mulherão ou famoso do lado, essas coisas. Me delicio com a bondade, inteligência, altruísmo, abnegação, sofisticação, alta cultura que todo mundo não tem, mas que ao contrário, faz questão de propagandear na rede. Como se todos fossem Francisco de Assis, Einstein, Madre Teresa de Calcutá, Bob Marley, Machado de Assis, o Batman... só tenho amigo foda! Deveria me orgulhar.
O duro dessa super exposição é que a compulsão, carência, idiotice ou sei lá mais de um único ególatra esculhamba tudo e estoura seu saco. Vira uma corrida pra ver quem é o campeão de posts do pedaço. E eu, aqui quieto no meu canto rastreando o feed, tenho que me deparar com o miserável uma, duas, dez, vinte vezes.... Só dá o fdp
Fico sabendo de tudo. Sei onde foi, onde vai, o que comeu, quem, o que finge que pensa, como finge que age, a merda toda. Quer sozinho toda minha atenção e é só o fidumaegua e sua enxurrada de bestage. Cara mais chato meu. Sai da minha roça.

Lembrei pois foi de meu xará grego, o Justo, que na votação de seu exílio numa assembleia popular em Atenas, interpelado por um eleitor para que escrevesse Aristides no óstraco indagou:
Que mal te fez esse homem?
Do qual recebeu a resposta:
- Nem sequer o conheço, mas meus ouvidos já se cansam de ouvir chamarem-lhe de justo.

Pois é... o velho chato Caetano ainda reverbera bem quando disse numa música “ninguém de perto é normal”... nem perfeito.

Vá caçar algo melhor pra fazer sujeito... poupe meu ‘feed de fofocas’ de suas estripulias grandiosas. Dê uma chance ao resto. Leve pra lá suas fotos, pensamentos, poemas, lutas, o diabo. Quer ser o maioral, deixe sua obra falar. Quem precisa de demagogia, propaganda e culto repetitivo é ladrão de triplex e sítio, doutor honoris causa calça curta, salvador de pátria ou medíocre inato. Se quisesse eu ser catequizado por um fela desses, já teria ido à sua igreja, me filiado a seu partido, sindicato, movimento e feito o beija mão acertando o dízimo. Sai pra lá pô. 

Na falta de uma punição no Face como o ostracismo grego em Atenas, vou meter teu nome num óstraco e entregar na macumba... fidumarapariga. Se pra sair de seu ostracismo pessoal tem de badalar cada passo seu na minha timeline, você merece, nojento! 
Oh neguinho difícil... Tchan...

(...)

Ahhh... e o que a lula tem a ver com isso tudo? 
Nada... é que “meus ouvidos já se cansam de ouvir chamarem-lhe de inocente”.

_________________________________
Desenho: Cinara Mota © copyright

sábado, 20 de janeiro de 2018

Dom Álvaro

Faleceu em Minas Novas Dom Álvaro. Era assim que Arnô chamava o parceiro de Regional.
De minha parte, considerava a alcunha simpática, já que relacionada à sua nobreza e não a algum cargo eclesiástico. 
Sim, nobre pelas qualidades e méritos, e até pelos defeitos.
(...)
Durante minha infância e juventude, era presença constante no Sobrado da rua São José. Ensaios em volta da mesa da sala no segundo andar, por entre um emaranhado de fios eram comuns. Estava além de minha ignorância juvenil, porém. Ele, Arnô, Tristão, Canuto, Dú, Heraldo, Plínio e por vezes alguns convidados ilustres (por exemplo, Dásio, Vagner) compunham aquele Regional que só vim a entender anos mais tarde, após vencer os arroubos da juventude e quebrar o ciclo da burrice hegemônica de minha geração. Um dia, num lampejo, vislumbrei o óbvio: original, apaixonante. Veio dai uma carta e a admiração mútua (o vi pela última vez em Janeiro de 2017, quando de férias em Minas Novas. Guardo com carinho um de seus livros com dedicatória e autógrafo).
(...)
É mesmo condição necessária algum estudo e maturidade, uma leitura mais sincera e elaborada da realidade, sem patrulhas, sem imbecilismo ideológico-cultural para enxergar além do mainstream. Especialmente num momento em que, como disse o Tom Martins (regente titular da OFSSP, compositor, instrumentista e bacharel em Composição e Regência pelo Instituto de Artes da Unesp), "... chegamos ao tempo em que se faz necessário provar às pessoas que a grama é verde e a água é molhada."
Depois o Tom continua o artigo dissecando o "grotesco alçado à condição de algo sacrossanto e imune às críticas, por justificativas ideológicas" que considero relevante o registro:
"Antes de embarcar na insólita investida de argumentar sobre os porquês de a música de Pabllo Vittar ser tão ruim – fato que deveria ser captado menos pelo intelecto do que pela própria experiência sensorial não racional –, serei obrigado a esclarecer dois pontos.
Primeiro, e mais importante: aqui nessas paragens, a discussão é adulta e civilizada. Qualquer acusação de “homofobia” ou correlatos será rechaçada com vigor, porque injusta com quem, como eu, cresceu ouvindo Freddie Mercury, Ney Matogrosso, Tchaikovsky, Bernstein, enfim, a lista é longa, e nunca o fato de serem homossexuais nem sequer ofuscou minha admiração e respeito a eles. O segundo aspecto é que, apesar de estudar música há mais de 30 anos, de ser regente profissional há 17, professor há 25 e de ter ajudado a fundar uma das maiores orquestras jovens do Brasil, a qual dirijo há 12 anos, falarei menos sobre música e seus aspectos técnicos do que sobre ideologia porque, afinal, é disso que o fenômeno se trata. O que vemos em Pabllo é o grotesco alçado à condição de algo sacrossanto e imune às críticas, por justificativas ideológicas."

Nesse momento, faço uma pausa e parafraseio o Tom me defendendo também antecipadamente: rechaço com vigor qualquer acusação de homofobia que por ventura algum incauto analfabeto funcional se incline a fazer. Arnô, o cantor do Regional é meu tio e homossexual. Até onde sei, isso NUNCA elevou nem diminuiu seu talento como cantor, que a rigor, NADA tem a ver com sua sexualidade. 
Disso sabia Álvaro muito antes da sapiência esquerdista ou burrice direitista inventar e explorar uma miríade de faróis politicamente corretos.

Mais que isso, trago também um trecho de um artigo do Fiuza chamado 'O mercado de causas sociais, sexuais e raciais virou uma praga, lucrativa nos balcões eleitorais': 
"O Brasil tinha 200 milhões de técnicos de futebol, mas eles mudaram de emprego. Agora são 200 milhões de fiscais ideológicos. Todos prontos para dar carteiradas solenes a cada esquina do espectro esquerda x direita – ou seja, no mundo da lua."  
(...)
Dom Álvaro foi também assim com seus comentários rascantes, num tempo em que o politicamente correto ainda não havia chegado ao estágio de imperativo categórico, como hoje. Mas suficiente para vesti-lo com a toga de radical, excêntrico, dentre outros rótulos odiosos cunhados para nivelar por baixo, igualar, tornar comum quem comunal não era. Era sincero. Bastava pra ser excomungado no senso comum das ovelhas atrás de pastor e pasto. Já tivéramos Cartola, Carlos Cachaça, Nelson Cavaquinho, tantos outros, ele sabia. Nada havia de rasteiro nos versos do Cartola, Noel, na música do Pixinga, na emoção boêmia do Nelson. Coisa boa é coisa boa, lixo é lixo, na favela ou na zona sul.
Gostava era de música boa, sem rótulo. E boa é boa e ruim é ruim, como preto é preto e branco é branco. Alma não tem cor porra!, ainda que a ciência questione a existência da alma, ou talvez por isso mesmo.
Dai ser um dos maiores da festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Minas Novas. Era branco. Mas fé não tem cor porra
Sincero. Irredutível em suas crenças. Raridade hoje em dia.

Vivemos a era das amálgamas. Todos iguais, medíocres, tutelados por um grande irmão virtual, estúpido e sempre mal intencionado, embora invariavelmente travestido de boa causa prometendo a salvação do homem.
(...)
Foi-se com ele a originalidade, a polêmica, o bom gosto, um tanto da cultura da cidade.
A ele minha reverência sincera: madeira de lei, melhor, cabra bão!!! 
Que Deus o tenha Dom Álvaro, anjo da velha guarda.
Um dia nos vemos... quem sabe.

Álvaro Freire (Foto: Marina Pereira/G1) - Historiador, músico de Minas Novas ...
LINK : Regional